quinta-feira, 20 de outubro de 2011

The end is the beginning is the end.

 
(Melancholia, 2011, dir.: Lars Von Trier)

A cena mais bonita que vi esse ano, por enquanto: O início de Melancolia, de Lars Von Trier (2011).
(Recomendo tela cheia. Recomendo a tela do cinema, na real.)
Ela já estabelece o tratamento escolhido para lidar com o assunto: o fim será contemplativo, poético e inescapável. Expectativas são correspondidas logo de cara: esse é um filme sobre o fim do mundo. E se havia dúvidas que um filme de ficção científica poderia ser feito por um diretor sisudo como Von Trier sem parecer ingênuo ou tolo, essa cena também adereça essa expectativa.

Gosto da forma como essa cena funciona como um flashforward de todo o filme. Todos os planos mostrados serão citados e retomados ao longo da exibição, mas não reexibidos.  Achei elegante essa atitude, de trazer um sorriso sutil ao rosto, como a aparição das faíscas de energia nos postes de eletricidade, remetendo à Kirsten Dunst contemplando as pontas de seus dedos, ou ainda a descrição que a atriz faz de seu estado emocional durante o casamento, tentando andar pela floresta com grossas cordas segurando seus movimentos.

Nem todas os planos são factuais, como se infere da minha descrição acima; algumas são ilustrações de paisagens emocionais das personagens, marcando o caráter poético e abstrato da cena.
E a forma como os planetas se aproximam, parecendo o beijo de dois amantes... Yep. Me arrepia.
Melhor filme do ano, por enquanto.
Melhor cena inicial de um filme, de todos os tempos.

terça-feira, 11 de outubro de 2011

American Horror Story : Um trem fantasma sem freios


Pelo piloto, esse seriado é um caldeirão de convenções de horror, tudo junto e misturado e sem pausa pra respirar! A série mostra uma família disfuncional tentando se reerguer, mas decidem se mudar pra uma casa q deve ser um resort de fantasmas malignos. Tem um monstro no porão, gêmeos mortos pela casa, um fantasma sadomasoquista no sótão, empregada sinistra, vizinhos mais sinistros ainda, bullies, um serial killer em potencial e... deve ter mais algum q perdi. É um novelão sobrenatural.

Tudo extremamente exagerado, com atuações e situações beirando o cômico. De fato, a apresentação da personagem de Jessica Lange me deixou com um sorrisão de orelha a orelha, pela atuação rococó e situação completamente descabida. Será delicioso ver o embate das personagens de Jessica Lange e Frances Conroy, exageradas, totalmente cientes de onde estão e devorando cenas e disparando falas afiadas. Acho bacana q haja momentos que a série se leva a sério demais, descambando para o cômico, pq é necessário momentos de escape da tensão.
You go, girls.

Mas para curtir a série como se deve, é necessário fazer vista grossa para alguns maneirismos um tanto irritantes, como uma montagem extremamente acelerada, e que por vezes adota um estilo de jump cuts q irritam [acho q era pra irritar mesmo, criar uma sensação de desconforto, mas forçaram a mão]. E o ritmo acelerado não dá tempo para criar o clima, a tensão... Parece que a família foi jogada no meio de um liquidificador de bizarrices. Não só de bizarrices, mas de convenções do gênero tbm.

Nota-se a abundância visual de signos de horror: monstros, fantasmas, pessoas deformadas, sangue, sexo e escuridão. E as convenções narrativas, a fim de quebrar as defesas do espectador e instaurar o horror: a desconstrução da imagem de Deus e dA Mãe, e o acesso ao inconsciente pela sexualidade. Deus justifica-se como um engodo, um artifício narrativo de forma metalinguística: Deus é uma criação narrativa, um personagem coletivo para confortar nossa existência. E a desconstrução da imagem da Mulher se dá pela presença de figuras femininas ameaçadoras, que não irão te confortar se vc correr até elas gritando “mamãe”... ;)

E a forma de acessar o inconsciente do espectador, sempre através do sexo, comprova-se uma criação direta da equipe de Glee e Nip/Tuck: no piloto de American Horror Story, é a figura masculina que é explorada e desnudada pela câmera. Apesar de todas as convenções narrativas estarem em uso, faltou o essencial: a conexão entre público e personagem, que se dá justamente pelo desenvolvimento e exploração de seus dramas e personalidades. Da forma como foram apresentados, sem tempo para desenvolvimento, os personagens principais parecem tão odiáveis quanto os antagonistas... Mas, se tratando de um seriado, tempo para isso é o q não falta, e será muito interessante ver o desenvolvimento dessa série.

sexta-feira, 7 de outubro de 2011

Um dos responsáveis diretos por eu estar aprontando nesse mundo faleceu ontem.

Vô Aldo Mestriner, com 89 anos, depois de quebrar o fêmur e ter complicações na cirurgia, acabou tendo uma embolia pulmonar. É triste, estive presente nesses dias finais todos dele, desde o momento da queda, quando fui socorrê-lo, até ficar no hospital e passar alguns dias e noites com ele internado. Ele já não estava falando muito, quase totalmente surdo, mas ainda tivemos uns bons momentos juntos, na típica inversão de papéis na qual os descendentes passam a tomar conta dos mais velhos.

Estive com ele até os momentos finais, eu e meu pai sendo os últimos familiares a ver ele com vida. Num momento de apreensão, eu monitorando sinais vitais e níveis de oxigênio, meu avô apertou a mão do meu pai. Um momento de proximidade física que meu pai disse ter tido poucas vezes com ele. Não me espanta, portanto, a dificuldade do meu pai em exprimir sentimentos profundos, mas como ele mesmo já me disse, em momento de rara espontaneidade, não é necessário dizer eu te amo o tempo todo, quando todas suas ações já trazem esses dizeres de forma implícita.

Talvez tenha sido esse o gesto do meu avô ao apertar a mão do meu pai, uma despedida e uma declaração muda de amor, que eu testemunhei, sentindo a força de três gerações diretas de homens em uma sintonia dolorosa; pai, filho e neto negando a despedida e reforçando o amor sem colocar em palavras. Momentos depois, o enfermeiro veio e tentou medir a pressão arterial do meu avô, sem sucesso. Logo chegaram para entubá-lo e leva-lo à UTI, eu e meu pai testemunhando tudo do corredor.

Esses últimos momentos no corredor do hospital, as informações que captei de médicos e enfermeiros, potencializados por tudo que eu não conseguia ver, tem sido material de pesadelos nas minhas últimas noites e, ao mesmo tempo, material de reforço da espiritualidade que tanto venho buscando ultimamente, uma crença em algo maior e incompreensível.

Minha fé é guiada pela razão e ciência; a divindade surge apenas quando explicações racionais e plausíveis não mais se sustentam. Acredito que, nos momentos finais de nossa vida, quando a consciência passa a ceder espaço definitivo para a inconsciência, entramos em um nível semelhante ao dos sonhos diários, sonhos influenciados pelo ambiente externo, inicialmente, e em seguida pelo nosso próprio mundo interior, nosso passado, crenças, o inconsciente coletivo e nossos símbolos.

A busca pela espiritualidade, depois de tanto buscar, agora vejo perfeitamente reproduzida em um quadro de Salvador Dalí que conheci na adolescência, e até hoje é um dos meus favoritos, o ‘Sonho Causado Pelo Vôo de uma Abelha ao Redor de uma Romã um Segundo Antes de Acordar’. O título já é bastante autoexplicativo em sua lógica surrealista. Shakespeare também disse que “o sono é o prenúncio da morte”. O pós-vida; pelo menos até a morte do corpo físico de fato; tento compreender como um sonho estendido e ampliado.

‘Sonho Causado Pelo Vôo de uma Abelha ao Redor de uma Romã um Segundo Antes de Acordar’, de Salvador Dalí.

Qualquer sonho sofre grande influência de estímulos do mundo externo, filtrados e reinterpretados pelo inconsciente. Quantas vezes não sonhei que estava me afogando, quando na verdade estava só com a cara no travesseiro? Ou acordar no meio de um tiroteio, quando é só o alarme tocando? Nosso inconsciente ainda trata de criar um tempo próprio, não linear e não real. Sonhos que parecem levar anos, demoram vidas inteiras com personagens que carregam uma carga de histórias e sentimentos. É nesse funcionamento da mente que reside minha paz e meu medo.

Meus pesadelos surgem desse momento de passagem do meu avô. Ele resistia à máquina de respiração artificial, que forçava uma respiração diferente de sua natural, e a sedação ainda não havia o tomado completamente. Imagino os delírios angustiantes desse momento, o início do fim de forma turbulenta, semelhantes aos horripilantes terrores noturnos de mente consciente em um corpo que não responde aos comandos. Imagino como deve ser querer respirar de uma forma e não conseguir, o corpo não respondendo de acordo.

Com a sedação tomando conta, o corpo relaxado não mais induzindo estímulos angustiantes, quero acreditar que seu inconsciente passou a criar seu juízo final, purgatório e paraíso. O tempo se expande e se torna eterno nesses últimos instantes, e meu avô revê toda sua vida e a julga. Paraíso, inferno, sonho, pesadelo, isso fica a mercê do seu próprio inconsciente e da forma como você mesmo julga seus momentos vividos. E sua eternidade toma forma em um instante no passado.

Para nós, a vida continua, vô Aldo faleceu e foi enterrado com a vó Maria, deixou uma família grande para continuar seu legado e sua contribuição para o funcionamento do planeta. A vida segue seu ciclo.

Para meu avô, a eternidade infinita tomou conta em seus últimos instantes de vida na noite de terça para quarta. O paraíso do meu vô, com passarinhos, sítio, cigarro de palha e cerveja, tomou conta dele nessa noite, um momento eterno e infinito congelado no passado.

***

P.S.: Vendo documentos antigos do meu avô, na correria burocrática que se segue, a impressão que eu tinha dele se manteve: ele era a cara do Clint Eastwood, galã durão de faroeste, que leva uma vida pacata depois de velho. Nunca soube muito de sua vida, só sei do velhinho que, quando eu era criança, apertava meu braço pra mostrar o sangue que corria por baixo da minha pele, me ensinou a separar os dedos em cumprimento vulcano e na mão do Pinguim, e me deixava brincar com pregos, martelos e madeiras no quintal de sua casa. Apesar de todo mundo falar que eu ia me machucar, martelar os dedos, ele silenciosamente sorria e confiava em mim, um pivetinho ruivinho.
E eu nunca martelei meu dedo.