sábado, 5 de novembro de 2011

Fui atropelado por um Almodóvar.

 
Em A Pele que Habito (La Piel que Habito, 2011), o cirurgião plástico Robert mantém em cativeiro uma cobaia humana, Vera, na qual faz experimentos para a criação de uma pele artificial transgênica. O longo confinamento faz com que Vera desenvolva um grau severo de síndrome de Estocolmo sobre seu captor, mas essa é apenas o começo de uma história que salta no tempo e guarda surpresas até o ato final.

Em mãos menos experientes, essa sinopse seria um filme de suspense banal, mas nas mãos de Pedro Almodóvar; um verdadeiro autor no controle de seu ofício; torna-se um exercício sobre gêneros, reforçando seu domínio sobre o melodrama enquanto aproxima-se das convenções do cinema de horror, criando uma obra eficiente em sua exploração de recônditos profundos e obscuros da alma humana.

Ainda que tenha declarado seu desejo em fazer um filme de horror, o maniqueísmo inerente ao gênero tem pouco espaço no cinema de Almodóvar. Bem e mal são valores incertos nesse mundo, a inocência não é pura e a vingança não é inválida. Robert, o personagem de Antonio Banderas, não é um maluco com razões nihilistas; ele embarca em uma espiral descendente à psicopatia devido à incomunicabilidade e ao amor cego. E Vera não é uma vítima completamente inocente.

Mesmo que o público seja rápido em julgar os personagens, Almodóvar nunca os condena. Ao contrário, explora suas motivações e os tornam relacionáveis, identificáveis, humanos. A filosofia do diretor nos mostra que o ser humano é capaz de tudo, das coisas mais adoráveis até os atos mais hediondos. Por mais monstruoso que seja o psicopata, existem razões para ele ser o que é. Poucos personagens dos filmes de Almodóvar são retratados imediatamente como monstros sem chance de redenção, identificação ou defesa -- de supetão, lembro-me apenas do padrasto abusivo de Volver.

 
O sangue não escorre levianamente nesse filme. Tendo uma paleta de cores relativamente mais sóbria que suas obras anteriores, os splashes vermelhos devem aparecer carregados de sentido e ameaça, não apenas pela estética. Já a quebra da linearidade narrativa acrescenta a camada de mistério e incerteza que um bom horror deve ter. Se em um filme de Almodóvar as revelações melodramáticas familiares são expostas logo no primeiro ato, o que mais esperar dele?! A trama então se desenrola sobre o mistério que falta ser resolvido, saltando loucamente no tempo e criando um labirinto às escuras, ameaçador e muito satisfatório aos fãs do cineasta.

É assombrosa a capacidade de Almodóvar encerrar seus filmes em notas emocionais exatas e tocantes, cortado com precisão cirúrgica. Guardo com carinho o corte final brusco de Tudo Sobre Minha Mãe, do olhar cheio de promessas de Marisa Paredes às dedicatórias finais; de Fale Com Ela, da entrada elegante dos créditos finais junto ao balé de Pina Bausch, dando um novo começo às vidas das personagens tocados pelo enfermeiro Benigno, e agora, com A Pele que Habito, um final emocionalmente exaustivo, que por ora não irei me aprofundar em spoilers, mas que me deixou trêmulo e esgotado. Digo que, nesse filme, não basta a catarse da vítima sobre seu algoz, é necessário esgotar de forma satisfatória as possibilidades dramáticas apresentadas durante o filme.

Agora sim mergulharei em spoilers para quem viu o filme, logo após o pôster gigante.
;)

Outra convenção de horror seguida pelo diretor é ameaçar a vítima com um destino pior que a morte. Em total concordância com as tintas almodovarianas, há destino ainda pior que a castração para um macho: a total perda de identidade masculina, sua total emasculação. Um destino que justifica o título do filme.

O que define Vera como Vicente? O que ainda lhe resta de masculino, após a obliteração total de sua identidade masculina? Uma alma masculina habitando um corpo feminino, corpo que lhe foi imposto enquanto vingança injustificada. É uma transexualidade às avessas.

O horror de sua existência agora, a forma como irá lidar com seu novo corpo e identidade, é o que fica de elemento aberto para assombrar a imaginação da plateia.

quinta-feira, 20 de outubro de 2011

The end is the beginning is the end.

 
(Melancholia, 2011, dir.: Lars Von Trier)

A cena mais bonita que vi esse ano, por enquanto: O início de Melancolia, de Lars Von Trier (2011).
(Recomendo tela cheia. Recomendo a tela do cinema, na real.)
Ela já estabelece o tratamento escolhido para lidar com o assunto: o fim será contemplativo, poético e inescapável. Expectativas são correspondidas logo de cara: esse é um filme sobre o fim do mundo. E se havia dúvidas que um filme de ficção científica poderia ser feito por um diretor sisudo como Von Trier sem parecer ingênuo ou tolo, essa cena também adereça essa expectativa.

Gosto da forma como essa cena funciona como um flashforward de todo o filme. Todos os planos mostrados serão citados e retomados ao longo da exibição, mas não reexibidos.  Achei elegante essa atitude, de trazer um sorriso sutil ao rosto, como a aparição das faíscas de energia nos postes de eletricidade, remetendo à Kirsten Dunst contemplando as pontas de seus dedos, ou ainda a descrição que a atriz faz de seu estado emocional durante o casamento, tentando andar pela floresta com grossas cordas segurando seus movimentos.

Nem todas os planos são factuais, como se infere da minha descrição acima; algumas são ilustrações de paisagens emocionais das personagens, marcando o caráter poético e abstrato da cena.
E a forma como os planetas se aproximam, parecendo o beijo de dois amantes... Yep. Me arrepia.
Melhor filme do ano, por enquanto.
Melhor cena inicial de um filme, de todos os tempos.

terça-feira, 11 de outubro de 2011

American Horror Story : Um trem fantasma sem freios


Pelo piloto, esse seriado é um caldeirão de convenções de horror, tudo junto e misturado e sem pausa pra respirar! A série mostra uma família disfuncional tentando se reerguer, mas decidem se mudar pra uma casa q deve ser um resort de fantasmas malignos. Tem um monstro no porão, gêmeos mortos pela casa, um fantasma sadomasoquista no sótão, empregada sinistra, vizinhos mais sinistros ainda, bullies, um serial killer em potencial e... deve ter mais algum q perdi. É um novelão sobrenatural.

Tudo extremamente exagerado, com atuações e situações beirando o cômico. De fato, a apresentação da personagem de Jessica Lange me deixou com um sorrisão de orelha a orelha, pela atuação rococó e situação completamente descabida. Será delicioso ver o embate das personagens de Jessica Lange e Frances Conroy, exageradas, totalmente cientes de onde estão e devorando cenas e disparando falas afiadas. Acho bacana q haja momentos que a série se leva a sério demais, descambando para o cômico, pq é necessário momentos de escape da tensão.
You go, girls.

Mas para curtir a série como se deve, é necessário fazer vista grossa para alguns maneirismos um tanto irritantes, como uma montagem extremamente acelerada, e que por vezes adota um estilo de jump cuts q irritam [acho q era pra irritar mesmo, criar uma sensação de desconforto, mas forçaram a mão]. E o ritmo acelerado não dá tempo para criar o clima, a tensão... Parece que a família foi jogada no meio de um liquidificador de bizarrices. Não só de bizarrices, mas de convenções do gênero tbm.

Nota-se a abundância visual de signos de horror: monstros, fantasmas, pessoas deformadas, sangue, sexo e escuridão. E as convenções narrativas, a fim de quebrar as defesas do espectador e instaurar o horror: a desconstrução da imagem de Deus e dA Mãe, e o acesso ao inconsciente pela sexualidade. Deus justifica-se como um engodo, um artifício narrativo de forma metalinguística: Deus é uma criação narrativa, um personagem coletivo para confortar nossa existência. E a desconstrução da imagem da Mulher se dá pela presença de figuras femininas ameaçadoras, que não irão te confortar se vc correr até elas gritando “mamãe”... ;)

E a forma de acessar o inconsciente do espectador, sempre através do sexo, comprova-se uma criação direta da equipe de Glee e Nip/Tuck: no piloto de American Horror Story, é a figura masculina que é explorada e desnudada pela câmera. Apesar de todas as convenções narrativas estarem em uso, faltou o essencial: a conexão entre público e personagem, que se dá justamente pelo desenvolvimento e exploração de seus dramas e personalidades. Da forma como foram apresentados, sem tempo para desenvolvimento, os personagens principais parecem tão odiáveis quanto os antagonistas... Mas, se tratando de um seriado, tempo para isso é o q não falta, e será muito interessante ver o desenvolvimento dessa série.

sexta-feira, 7 de outubro de 2011

Um dos responsáveis diretos por eu estar aprontando nesse mundo faleceu ontem.

Vô Aldo Mestriner, com 89 anos, depois de quebrar o fêmur e ter complicações na cirurgia, acabou tendo uma embolia pulmonar. É triste, estive presente nesses dias finais todos dele, desde o momento da queda, quando fui socorrê-lo, até ficar no hospital e passar alguns dias e noites com ele internado. Ele já não estava falando muito, quase totalmente surdo, mas ainda tivemos uns bons momentos juntos, na típica inversão de papéis na qual os descendentes passam a tomar conta dos mais velhos.

Estive com ele até os momentos finais, eu e meu pai sendo os últimos familiares a ver ele com vida. Num momento de apreensão, eu monitorando sinais vitais e níveis de oxigênio, meu avô apertou a mão do meu pai. Um momento de proximidade física que meu pai disse ter tido poucas vezes com ele. Não me espanta, portanto, a dificuldade do meu pai em exprimir sentimentos profundos, mas como ele mesmo já me disse, em momento de rara espontaneidade, não é necessário dizer eu te amo o tempo todo, quando todas suas ações já trazem esses dizeres de forma implícita.

Talvez tenha sido esse o gesto do meu avô ao apertar a mão do meu pai, uma despedida e uma declaração muda de amor, que eu testemunhei, sentindo a força de três gerações diretas de homens em uma sintonia dolorosa; pai, filho e neto negando a despedida e reforçando o amor sem colocar em palavras. Momentos depois, o enfermeiro veio e tentou medir a pressão arterial do meu avô, sem sucesso. Logo chegaram para entubá-lo e leva-lo à UTI, eu e meu pai testemunhando tudo do corredor.

Esses últimos momentos no corredor do hospital, as informações que captei de médicos e enfermeiros, potencializados por tudo que eu não conseguia ver, tem sido material de pesadelos nas minhas últimas noites e, ao mesmo tempo, material de reforço da espiritualidade que tanto venho buscando ultimamente, uma crença em algo maior e incompreensível.

Minha fé é guiada pela razão e ciência; a divindade surge apenas quando explicações racionais e plausíveis não mais se sustentam. Acredito que, nos momentos finais de nossa vida, quando a consciência passa a ceder espaço definitivo para a inconsciência, entramos em um nível semelhante ao dos sonhos diários, sonhos influenciados pelo ambiente externo, inicialmente, e em seguida pelo nosso próprio mundo interior, nosso passado, crenças, o inconsciente coletivo e nossos símbolos.

A busca pela espiritualidade, depois de tanto buscar, agora vejo perfeitamente reproduzida em um quadro de Salvador Dalí que conheci na adolescência, e até hoje é um dos meus favoritos, o ‘Sonho Causado Pelo Vôo de uma Abelha ao Redor de uma Romã um Segundo Antes de Acordar’. O título já é bastante autoexplicativo em sua lógica surrealista. Shakespeare também disse que “o sono é o prenúncio da morte”. O pós-vida; pelo menos até a morte do corpo físico de fato; tento compreender como um sonho estendido e ampliado.

‘Sonho Causado Pelo Vôo de uma Abelha ao Redor de uma Romã um Segundo Antes de Acordar’, de Salvador Dalí.

Qualquer sonho sofre grande influência de estímulos do mundo externo, filtrados e reinterpretados pelo inconsciente. Quantas vezes não sonhei que estava me afogando, quando na verdade estava só com a cara no travesseiro? Ou acordar no meio de um tiroteio, quando é só o alarme tocando? Nosso inconsciente ainda trata de criar um tempo próprio, não linear e não real. Sonhos que parecem levar anos, demoram vidas inteiras com personagens que carregam uma carga de histórias e sentimentos. É nesse funcionamento da mente que reside minha paz e meu medo.

Meus pesadelos surgem desse momento de passagem do meu avô. Ele resistia à máquina de respiração artificial, que forçava uma respiração diferente de sua natural, e a sedação ainda não havia o tomado completamente. Imagino os delírios angustiantes desse momento, o início do fim de forma turbulenta, semelhantes aos horripilantes terrores noturnos de mente consciente em um corpo que não responde aos comandos. Imagino como deve ser querer respirar de uma forma e não conseguir, o corpo não respondendo de acordo.

Com a sedação tomando conta, o corpo relaxado não mais induzindo estímulos angustiantes, quero acreditar que seu inconsciente passou a criar seu juízo final, purgatório e paraíso. O tempo se expande e se torna eterno nesses últimos instantes, e meu avô revê toda sua vida e a julga. Paraíso, inferno, sonho, pesadelo, isso fica a mercê do seu próprio inconsciente e da forma como você mesmo julga seus momentos vividos. E sua eternidade toma forma em um instante no passado.

Para nós, a vida continua, vô Aldo faleceu e foi enterrado com a vó Maria, deixou uma família grande para continuar seu legado e sua contribuição para o funcionamento do planeta. A vida segue seu ciclo.

Para meu avô, a eternidade infinita tomou conta em seus últimos instantes de vida na noite de terça para quarta. O paraíso do meu vô, com passarinhos, sítio, cigarro de palha e cerveja, tomou conta dele nessa noite, um momento eterno e infinito congelado no passado.

***

P.S.: Vendo documentos antigos do meu avô, na correria burocrática que se segue, a impressão que eu tinha dele se manteve: ele era a cara do Clint Eastwood, galã durão de faroeste, que leva uma vida pacata depois de velho. Nunca soube muito de sua vida, só sei do velhinho que, quando eu era criança, apertava meu braço pra mostrar o sangue que corria por baixo da minha pele, me ensinou a separar os dedos em cumprimento vulcano e na mão do Pinguim, e me deixava brincar com pregos, martelos e madeiras no quintal de sua casa. Apesar de todo mundo falar que eu ia me machucar, martelar os dedos, ele silenciosamente sorria e confiava em mim, um pivetinho ruivinho.
E eu nunca martelei meu dedo.

terça-feira, 8 de março de 2011

Infinity Blade, Epic Citadel e O Exorcista. Games e arte.

Meu pensamento dá voltas. O mestrado acaba e continuo fazendo pontes interdiscursivas, buscando diálogos entre obras pop e clássicas, na tentativa de relativizar a relação entre elas. E desse vez me peguei no videogame.

Tava jogando Infinity Blade, game para celular. O verniz RPG me parecia meio impenetrável, mas a jogabilidade é incrível. O deslizar de dedos pela tela são interpretados como os golpes de espadas que você desfere sobre os inimigos, e os pontos de experiência ganhos são acumulados, para que você possa se tornar o fodão do pedaço e derrotar God King, o ditador da sua vila feudal.

Interessante é que não vc não tem “vidas”. Se vc morre, a história salta uns 20 anos e seu descendente irá vingar sua morte, herdando as armas de papai, que foram do vovô, que eram do seu bisavô... e assim vai.

Ainda assim, depois que minha quinta geração matou o God King, continuei jogando da mesma forma, com meu descendente querendo vingança pela morte do pai. Pensei: “Será que nesses 20 anos que se passaram fui seduzido pelo lado negro da Força?”. Anyway, um baita jogo, de gráficos incríveis.

Eis que encontro Epic Citadel, um software q permite q vc possa passear por uma cidadela feudal. Foi desenvolvido apenas para demonstrar a capacidade gráfica do software usado por Infinity Blade. Porém, foi aqui q encontrei algo q me surpreendeu.

Explorei Epic Citadel como se fosse a cidade que acabei de salvar do tirano God King [e talvez realmente seja]. E percebi que a ambientação causada pela iluminação tava me causando estranheza e fascínio. Andava para um lado e parecia noite. Olhava pro céu e era dia claro. Então consegui uma imagem fantástica, que compartilho aqui:

Tchans! É uma recriação virtual e feudal do quadro Empire of Light, do Rene Magritte, ou estou enganado???

Confere:

Quadro que, por sua vez, inspirou a concepção visual de cenas de um dos meus dramalhões favoritos, O Exorcista???

Espero q seja proposital. Demonstraria um esforço fantástico da produção do software, mais um passo bacaníssimo em direção à validação dos games como plataforma de representação artística, dessa vez investindo nos games para celulares.

quarta-feira, 2 de março de 2011

Os mais recentes trabalhos de Gondry

Tá lá.
Depois de um filme metade pavoroso, metade estimulante, Michel Gondry volta às raízes com o videoclipe How Are You Doing?, para as Living Sisters.


Nunca ouvi falar delas, e o Joey não aparece em nenhum momento. Brinks.
O clipe traz a estética artesanal típica do bom diretor, com ônibus de brinquedo, cenários de papelão etc. Split screen, tão bem aproveitada em Sugar Water e em uma das seqüências mais inspiradas de O Besouro Verde, aqui aparece de forma a contribuir ao caos da pequena narrativa.
Mas ainda não bate os supracitados exemplos. [E revejam Sugar Water. É clipe para se ver infinitas vezes.]

E quanto ao filme metade pavoroso, metade estimulante, é obviamente O Besouro Verde. Gondry não parece à vontade no cinemão blockbuster. Muitas cenas genéricas para poucas cenas inspiradas, com situações e diálogos tenebrosos, do tipo que dão vergonha alheia. Pelo menos as coisas ruins se concentram no começo do filme. Quando os protagonistas tornam-se anti-heróis de fato, o filme decola.
E o nonsense que toma conta do filme então me conquistou. Gondry usa split screen de forma deslumbrante, um primor: a câmera acompanha duas pessoas, a tela se divide em duas, uma vai pra direita, outra vai pra esquerda. Tudo em aparente plano sequencia, sem cortes! E dessa forma a tela vai se recortando, criando um mosaico que foge ao controle da platéia, justamente no momento em que a fama do Besouro Verde gera uma conseqüência violenta no submundo criminoso.

Ao final, ultraviolência intensa e cartunesca - adaptação carne, osso e sangue dos desenhos do Looney Tunes - e uma correria insana e engraçadíssima graças ao veículo da dupla, o Black Beauty, que parece ser cria do casório entre Jason Vorhees e Michael Myers.

Pela má recepção que o filme teve por parte da crítica e público, acho q o mundo não está preparado para um “herói” que não apresenta características redentoras em seu caráter; age de forma egoísta, só pensa no próprio rabo e seus atos heróicos são acidentais. Já eu não estava preparado para atores ruins e mal escalados. Cameron Diaz parece um peixe fora d’água.

E tudo isso aparecendo uma semana após eu dar por encerrado meu mestrado focado em Michel Gondry.
Timing é uma arte para poucos.

terça-feira, 1 de março de 2011

Born this way - Lady Gaga


Opinião profunda, ok? Pq eu PIREI no clipe do liquidificador Gaga!!!

Pra começar, música do Alien, fluidos, ovários cósmicos, úteros e o melhor uso de tela refletida pra fazer aquele parto fist fuck na Gaguinha, tudo no imaginário dA Feminilidade. O nascimento de um povo livre de preconceitos, como ela própria disse. Achei digno, achei rico, achei freak. Já o unicórnio e o arco-íris puxa a sardinha pro lado beeba, of course, tinha de ser. Ouso dizer até q é citação a Blade Runner, sem achar q forcei a barra.

O q me incomoda é q nessa geração Gaga, de ossos pontudos, seios e genitais substituídos por traços, não parece ter espaço para outros tipos de corpos q não aqueles que atingem as expectativas impossíveis de malhação e alimentação livre de carboidratos.
Espero q seja questão de tempo.
Adoraria ver um gordinho e uma gordinha dançando com a Gaga, aí sim acho q ela se tornaria de vez a "porta-voz" do anti-preconceito e pró-freakismo. Free-ak. [neologisei]
Ficar usando próteses pontudas para simbolizar o novo, enquanto uma variedade incrível de corpos humanos e que pouco tem espaço no imaginário pop passa ignorado -- aparentemente, do próprio público que a Gaga deseja atingir: freaks, nerds, gays, trans, amputados, autistas, GLBTTTEYXZ ETC. Espero uma coisa mais Glee [exceto o politicamente correto do seriado, yuck].
Janelle Monae e The Gossip se encaminham melhor nessa direção em Tightrope e Love Long Distance, respectivamente.
Youtuba aí.

Anyway, obrigações da gravadora ou conformismo.
Fato, o final do clipe é genial. A geração Gaga é a cara da mãe, e a mãe é a Madonna. Tratando-se de símbolos, tá lá na cena final. Uma criatura parida por Mother Monster andando por um beco oitentista, de textura oitentista, de efeito oitentista, e q no close é a cara da Madonna em Rain. E isso não é piada! Ela está se vendendo como a próxima Madonna, mas tbm convocando o público a assumidamente serem filhos de Madonna. Se Lady Gaga perdeu a chance de se validar como a defensora dos freaks, ela manda bem no comentário do pop atual.
Acho que é válido, acho q é o zeitgeist.
Não vivemos uma época de quebra de paradigmas, o diferente é prontamente fagocitado pelo mainstream. Os produtos pop de hoje são regurgitações do passado próximo, um momento em que tudo e nada se igualam. Madonna foi a última artista pop que quebrou com tudo, que ditou a moda. Mas seu reinado acabou e hoje ela mesma é vítima de seus avanços. Tudo se aceita, tudo pode, tudo se compreende.

E finalizando, o discurso sci-fi tbm me ganhou.
Profusão de prefixos e sufixos pra deixar o texto mais pirado e outras viagens a parte, "How can I protect something so perfect without evil?"
Pô, viajei instantaneamente ao ouvir essa frase.
Será q a Gaga tirou de algum cara foda ou é criação própria? Se for a segunda opção, a muié é a filósofa pop mais foda q já vi nos últimos 15 segundos [ah, a efemeridade].
Há um lampejo de discussão nessa frase sobre a natureza do mal, um ângulo e uma posição diferenciados sobre o assunto, que provavelmente se perderá no mar de outras referências mais gritantes e fáceis que o clipe oferece.
Veremos.